sábado, 17 de setembro de 2011

Estranguladora de seus Filhos

      Autor: Pascual Guaglianone
     Sois acusada de haver estrangulado a vossos três filhos - disse o juiz solenemente, enquanto se aconchegava em sua poltrona.
     Um profundo silêncio reinou na sala.
     Uma mulher de mais alta do que baixa estatura, de belo e negro cabelo, de bem conformado corpo, com um simpático semblante de palidez térrea, pôs-se de pé, e meio soluçando, assim falou:
     - Sim. É certo, senhor juiz, que eu matei os meus três filhos, não o nego; porém, eu fui obrigada a isso pela miséria. Meu marido havia sido despedido da oficina por ter-se queixado do mísero salário que percebia, e, desde então, em parte alguma quiseram admiti-lo. Inútil que abandonasse o leito antes de raiar a alva, inútil que andasse de manhã até à noite golpeando as portas dos patrões, inútil, inútil. - Uma manhã a autoridade lançou nossos cacarecos ao meio da rua, por que não tínhamos podido pagar durante três meses o aluguel da choça que habitávamos: meu marido teve que levar-nos, a mim e aos pequenitos, a agasalhar-nos de baixo de um teto amigo. Três meses depois, a miséria golpeava fortemente a porta de nossa morada, e o pão faltava. Ele, meu companheiro de sofrimentos, saiu à rua e nao voltou mais: havia ido roubar, e o reduziram à prisão. Então eu, a infeliz e miserável mulher do ladrão faminto, tive que lançar-me à rua e prostituir-me. Meus filhos necessitavam de pão!... Porém, que me vi rechaçada; meus anos me eliminavam do mercado da carne humana, e então fui pedir esmola. Uns vinténs, produto da caridade que implorava, me chegavam para comprar um pedaço de pão que, unido a um pouco de água, comíamos eu e meus três pequeninos. Isto era horrível! Isto era infernal! Via que meus filhos não tinham mais farrapo com que cobrir suas carnes, via-os enfermos, anêmicos; recordava o seu pai e chorava, chorava...
     Fazia já dois meses que o pão e a água eram o alimento forçado de meus filhos. Eu me encontrava exausta de forças e não podia mais pedir esmola. Ninguém nos daria o que comer!...Recordei a morte, e a ela me decidi, acompanhando-me de meus três filhos, aos quais estrangularia; assim não sofreriam mais de fome!...
     Ali estão... estão dormindo... Ah!... chega o momento triste e fatal... devo estrangulá-los... Logo me enforcarei eu mesma... Vamos!... Porém, são meus filhos!... Não me atrevo... Ah!... Vamos!...
     E então, senhor juiz, recordo vagamente que, um por um, depois de receber um beijo, o beijo apaixonado da mãe dolorosa, sofreram a frieza de meus dedos em sua garganta; que, um por um, fugiram deste mundo infame e miserável; que, um por um, senhor juiz, abandonaram sua única propriedade; a miséria... E quando eu ia segui-los, quando eu ia acompanhá-los, um infame derruba a porta e impede minha morte, ou, o que é o mesmo, o manto que resguardaria a meus pequeninos do frio final da vida...
     E agora, senhor juiz, agora que deveis julgar-me como assassina de meus filhos, escutai bem e depois condenai-me à última pena.
     -Quem entre todas as mães não prefere para seu filho a morte antes que a fome? Quem entre todas elas poderia friamente ver seus filhos alimentarem-se com pão e água, durante dois meses? Quem?...
     -Quem nesse caso mata, quem nesse caso assassina, quem nesse caso estrangula, escutai bem: não é a mãe; é a sociedade.
     Senhor juiz, condenai-me à pena capital, porém recordai-vos de que a estranguladora de meus filhos é a sociedade!

O Protesto, RJ, ano I, nº 8, abr. 1900, e
O Grito do Povo, SP, ano I, nº 26, 1º de maio de 1900.
REFERÊNCIA:
PRADO, A. ; HARDMAN, F.; LEAL, C. Contos Anarquistas - São Paulo: Martins Fontes, 2011

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